Um dos preconceitos mais praticados pela
sociedade brasileira, é também o menos difundido
Imagem: Vanusa Lima
Talvez
por ignorância ou displicência, as pessoas não se dão conta de sua gravidade e
seguem no dia-a-dia com “brincadeiras” que nem sempre são bem quistas,
principalmente por aqueles que sofrem com as referidas.
O
preconceito linguístico existe, e isso é fato. E mais do que sua própria
existência, o que pesa é o quanto ele incomoda a muita gente. Um incômodo
silencioso que apenas poucas pessoas têm a consciência de suas consequências.
Por trazer desconforto para
muitos, o tema preconceito é quase sempre evitado, deixando de lado suas sequelas
muitas vezes avassaladoras. Um assunto que a maioria não gosta de abordar, porém
vale lembrar, o quanto é importante que a sociedade discuta esse tipo de
problema, e tente encontrar soluções para que suas vítimas consigam sair ilesas
moralmente.
O que se entende por
preconceito linguístico, está diretamente relacionado à fala. O indivíduo
geralmente utiliza gírias, que são nada mais nada menos que marcas de pequenos
grupos sociais, como skatistas, surfistas, classes que acabam possuindo um
dialeto próprio e compreendido apenas por eles. Ou ainda, comunidades que
representam determinadas regiões de um país, como no Brasil, por exemplo, onde
possuímos cinco regiões das quais, seus nativos falam com características
daquela localidade.
“O preconceito linguístico
precisa ser reconhecido, denunciado e combatido, porque é uma das formas mais
sutis e perversas de exclusão social”. Comenta o escritor, linguista e também
professor da Universidade de Brasília, Marcos Bagno. Autor de mais de trinta
livros, a maioria aborda o tema em questão. Um dos livros mais editado dele é o
“Preconceito
Linguístico: o que é, como se faz” da Editora Loyola.
Livro de Marcos Bagno- Imagem do Google
O que as pessoas não imaginam,
é o quanto as vítimas sofrem com tudo isso, e passam a ter suas vidas
transtornadas, muitas perdendo até o sentido de continuar existindo. Esse tipo
de problema é sofrido por uma grande maioria, desde crianças à adultos. Não
existe uma escolha de raça ou cor. Existe a certeza de contrariar um próximo,
apenas porque ele fala “diferente” dos demais.
Embora algumas pessoas
apresentem algum tipo de transtorno psicológico por conta do preconceito
vivido, há aquelas que nada sentem, levando na brincadeira. Isso geralmente
acontece com pessoas que não se incomodam com os tais rótulos dado por quem
pratica o preconceito.
As principais vítimas do
preconceito linguístico são no geral, pessoas que não pertencem àquela região,
e quando chegam, são criticadas, humilhadas ou sofrem com as gargalhadas
alheias, o tal do deboche.
Uma pessoa ao falar “oxente”,
“visse”, “arretado” e outras mais, é facilmente identificado como nordestino, e
a depender de onde esteja, pode ser visto com olhos de preconceito. Já os sudestinos,
por exemplo, ao invés de falarem a palavra “mesmo”, eles pronunciam “mermo”,
trocando o “s” por “r”. Outra pronúncia diferenciada está na palavra mãe, que
eles trocam por “maê”.
Selma Alves natural do Rio de Janeiro
A carioca Selma
Alves, hoje com 40 anos, chegou ao Recife aos 31. Em conversa informal, ela desabafou.
“Sofro todos os dias. Devido ao sotaque,
ao falar diferente. Agora não ligo. Mas no começo era muito difícil tudo isso.
Hoje as pessoas ainda riem do meu modo de falar”.
Situações constrangedoras como
as vivenciadas por Selma e tantas outras pessoas que necessitam mudar de estado
ou de cidade, ocorrem em distintos lugares, e o que mais desperta a atenção é
que o preconceituoso nada tem a ver com classe social ou econômica, pois independente
do meio onde vive, o agressor, por assim dizer, pertence a quaisquer uma das
esferas sociais, o que é lamentável, tendo em vista que para esse caso
específico, nota-se que o acesso à informação não faz diferença alguma e o
sujeito pratica o preconceito a todo custo.
Diferentemente da carioca
Selma, o estudante Gabriel Corrêa, 18 anos, tinha apenas onze quando veio morar
em Recife. Gabriel que é de Santa Catarina, disse que com ele foi diferente. “Meus colegas me respeitam. Não se
incomodam porque eu falo um pouco diferente deles”, revelou.
Gabriel Corrêa de Santa Catarina, aos 11 anos
No caso de Gabriel, podemos
até dizer que ele teve um pouco de sorte, tendo em vista que é quase impossível
alguém passar ileso dos comentários e brincadeiras maldosos, referentes aos sotaques
de pessoas oriundas de outras regiões, independente do local onde se esteja. Isso
porque, os praticantes ou, os preconceituosos, geralmente costumam agir quando
já têm certa intimidade com a vítima, claro que nem sempre isso é regra, mas no
geral isso acontece, e por esse motivo, alguns entendem que não estão agindo
com preconceito, mas, brincando com o amigo, o que seria de alguma forma,
permitido.
Para
a psicóloga Flávia L. Carvalho, 47 anos, o preconceito linguístico não passa de
uma extensão de um problema ainda maior, denominado Bullying, onde na maioria
das vezes as crianças são as maiores vítimas e o local escolhido por elas, é a
escola. Dentre as possíveis situações de Bullying, podemos destacar: ofensa;
humilhação; descriminação; exclusão, e outros.
Bullying ou não, a verdade é
que qualquer tipo de preconceito gera violência, e a maneira de se falar
diferente do outro, chama a atenção para a quantidade de brigas que acontecem
dentro das escolas. É cada vez maior o número de crianças que se envolvem em desavenças,
e o motivo muitas vezes é o mesmo: “Ficou
dizendo que eu não sei falar direito, que eu sou burra. Que falo errado porque
sou do interior, mas isso não tem nada a ver”.
E não tem mesmo não. Esse fato
aconteceu com a dona de casa Priscila O. Silva, 24 anos. Quando estava com 16
anos, saiu da cidade de Itaíba, interior pernambucano para morar na capital. Entretanto,
por falar com sotaques característicos do interior, acabou tornando-se vítima dos
colegas de trabalho e até vizinhos. “Nós
lá da cidade sabemos respeitar os outros, mas aqui o povo é diferente”. Desabafou
a jovem, que acrescentou “Não me
acostumo com esse lugar. Depois de sete anos sofrendo com a humilhação de
alguns vizinhos, quero voltar para minha casa no interior.” Embora o Brasil seja um país culturalmente
hibrido, e que por essa razão, tantas pessoas de regiões distintas, consigam
falar diferente, elas não estão prontas para lidar com o preconceito e muitas
desenvolvem um comportamento violento. Principalmente aquelas que sofrem a
ação. Mesmo não recebendo toda a atenção que deveria receber, alguns
profissionais buscam amenizar o trauma de algumas vítimas.
Manoel Agostinho, pedagogo da cidade de Tupanatinga PE
O pedagogo Manuel Agostinho, 64
anos, dava aulas há vinte anos para crianças carentes no agreste pernambucano.
Um dos trabalhos desenvolvidos por ele em sala de aula é o respeito ao próximo.
“Aqui ensinamos que o ser humano deve
sempre ser respeitado e mais ainda, deve respeitar o seu semelhante. E o mais
importante, saber conviver com as diferenças”. Completou o pedagogo.
Para essas crianças, o
trabalho sempre apresenta resultados satisfatórios. “Chega ser quase impossível ouvir uma criança destratar uma outra”. Contou
radiante o professor. “A maioria dessas
crianças são pobres, algumas passam por privações, mas o desempenho delas me
incentivaram a continuar. Estava no caminho certo”. Refletiu o professor
Manoel, que por motivos de saúde, precisou ausentar-se das salas de aula,
lamentando por não poder dar continuidade ao seu trabalho junto às crianças.
Numa outra escola, desta vez
na capital, as soluções não são tão diferentes das apresentadas pelo professor
Manoel, no interior.
“Não é difícil trabalhar com as diferenças, nem ensinar uma maneira de
respeitar seu semelhante. Aqui na escola, temos uma disciplina chamada Direito
da Cidadania, que estimula os alunos a conhecer e respeitar os diversos
“mundos” do ser humano”. Contou Lucimar Arouxa, coordenadora pedagógica em um
colégio localizado na zona sul do Recife.
De acordo com relato de
alunos, de fato esse tipo de preconceito não foi detectado por nenhum deles. “Estudo aqui faz muito tempo, uns cinco
anos, desde que me lembro. Mas nunca presenciei nenhum menino brigando por
causa de seu modo de falar”. Disse Jéssica Beatriz, estudante, 19 anos.
O Doutor em Direito e
Comunicação e Semiótica e professor da PUC-SP, Gabriel Chalita, publicou um
artigo na revista Construir Notícias, direcionada aos educadores. Onde ele fala
que a falta de conhecimento sobre o assunto, leva à violência e a
descriminação.
“Na escola, essa atitude pode ter resultados drásticos, porque leva a
vítima, muitas vezes, ao isolamento e, até ao abandono”. Conclui Chalita.
Para evitar quaisquer danos
psicológicos principalmente às crianças, é extremamente importante que os pais
observem seus filhos e os ambientes que ele frequenta. Tanto aquele que agride
quanto o que é vítima, ambos necessitam de atenção e ajuda de profissionais. É
interessante também que busquem maiores informações com pessoas qualificadas.
O preconceito existe e causa
estrago em muita gente, mas com diálogos constantes e interesse de familiares e
amigos, muitos problemas podem ser evitados. Além do mais, vale ressaltar que
não há mal nenhum em ser diferente. Somos diferentes, pensamos e agimos
estranho ao próximo e ele a nós, e é justamente isso que nos tornam pessoas
especiais.
Ser diferente não é o
problema. O problema são as pessoas acreditarem que temos que ser exatamente
iguais. E isso não é possível, pois se bem lembrarmos, somos híbridos
culturalmente, temos gostos e pensamentos distintos, isso não é defeito. Imaginem
se todos fossem exatamente iguais? Com certeza só teríamos uma única profissão
no mundo, e todos pareceríamos meros robôs. Isso sim seria desconfortante.
Aceitar as diferenças é
reconhecer o quanto podemos ser ecléticos em distintas áreas. E como mostramos
isso? Começamos aceitando que a FALA do indivíduo deve ter voz e pode se
expressar da melhor maneira que lhe seja conveniente, através da sua própria fala.
Matéria: Vanusa Lima
Fotos de Selma Alves e Gabriel Corrêa: Vanusa Lima
Foto de Manoel Agostinho: Acervo Pessoal
Imagem do livro de Marcos Bagno: www.google.com.br
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